Durante imenso tempo andei à procura de um livro, Estava esgotado. Nas Bibliotecas não existia. Alguém o encontrou por mim (www.letralivre.com).
Um livro escrito por dois filhos da região e um deles filho de Mineiro. Ambos jornalistas de profissão, Daniel Reis e Fernando Paulouro e editado, pela “A Regra do Jogo” no ano de 1979.
Valeu a pena a procura e a espera. Nele são contadas, na primeira pessoa, as histórias e as vidas da nossa gente. Histórias que medeiam os anos 20 e Julho de 1978.
Grata estou, enquanto filha, neta e bisneta de mineiros, a quem, com dedicação e penso que posso dizê-lo, com amor, escreveu o livro. Em boa hora o fizeram. Com este livro impediram que experiência de vida dos homens de Dornelas, Sobral, Casegas; Bogas, S. Jorge da Beira… se escoassem pelas calendas do esquecimento.
O Livro, na primeira parte, está escrito da seguinte forma: os autores fazem a apresentação do entrevistado e depois a história é contada na primeira pessoa. Aqui vai:
António Marcelino Covita. Nasceu em S. Jorge da Beira, há 57 anos. Tem 40 de Mina: os últimos doze a cortar travessas para a linha férrea dos vagões de minério. Declarada a silicose, foi-lhe baixado o salário e colocado no exterior. A pensão não lhe chegaria para viver. Por isso trabalha, sempre convicto que há de continuar a ver os mineiros superar as antigas humilhações. Entre dois copos, no Clube, falou-nos dos anos 30 e 40 e das greves: «Ganhámo-las todas: as greves quando são bem feitas, a gente ganha-as todas».
Ando na Mina há quarenta anos: já cá morreu um irmão meu com silicose. Deve por aí ter trabalhado uns doze ou treze anos
Comecei em trinta e dois, tinha nove anos. Era pincho: acarretava aço para dentro da Mina, brocas para os martelos pequenos, e ganhava três e quinhentos por dia e uns puxões de orelhas. Se eles puxavam as orelhas? Então não puxavam! E bem.
Andei de carreiro, marteleiro durante 25 anos, tive todas as profissões na Companhia. Só vigilante é que não: mas eu nunca fui dos que oferecem presuntos e nessa altura era preciso.
Isto agora, pelo menos no respeito para connosco, está um pouco melhor. O pagamento também já é mais conforme. E não se come tanto pó. Isto vai. Mas se considerarmos o serviço mineiro, ainda não está bem. Um homem quando para ali entra não sabe se sai de lá vivo ou morto.
De três e quinhentos fui aumentado para sete escudos. Depois nove, já era mineiro. Quando peguei no martelo treze.
Hoje também já não falam para os trabalhadores como falavam naquela altura. Mas os mineiros também mudaram muito. Naqueles tempos casavam-se, chegavam aos trinta sem ver o comboio. E aqueles homens que havia, antigos, que pegavam num saco, metiam lá dentro um bocado de presunto e uma broa e toca a andar, trinta quilómetros a pé para ir à Covilhã, ou para virem trabalhar, das aldeias para aqui! È ver se agora alguém vai a pé. É o vais! Vai-se de camioneta e anda-se aquilo em vinte minutos.
Isto era tudo muito atrasado. Só cá havia pinheiros. Como nos pagavam mais um bocadinho do que aí, por essas terras, a gente tinha que se calar. Se não era despedido e não tinha outro sítio para ir trabalhar. Só se fosse roubar. Hoje não. Não querem? Vai-se para outro lado.
Antigamente vínhamos para aqui garotos, com oito e nove anos. O pessoal quando assentava praça já ia cheio de silicose. Agora não entra ninguém na Mina com menos de dezoito anos. Lá dentro também já se trabalha com botas, fato de oleado, luvas e capacete. Antigamente não.
Eu saí de dentro da Mina com quarenta e cinco anos. Já há doze que ando fora. Quando trabalhava lá dentro cheguei a ganhar quarenta e sete escudos. Depois cortaram-me a jorna para trinta. Como já não podia trabalhar lá dentro, carregado de silicose, passaram-me para fora e cortaram-me o ordenado. Agora já não podem fazer isso, já não podem cortar.
Antes do 25 de Abril isto era uma porcaria. Por isso emigrou tudo. Chegaram cá a trabalhar setecentas pessoas e depressa ficaram reduzidas a meia dúzia. Emigrou tudo e então foram buscar os caboverdianos. Os de cá foram ver de vida. Eu tenho cinco no Canadá. Trabalhavam aqui, também, mas como isto não dava, abalaram.”(..)