“TENHO AS MARCAS DESTA MALDITA MINA NO CORPO
Assisti cá a tudo: participei cá em três greves, duas antes e esta depois do 25 de Abril.
A primeira foi a do carboreto. Nós é que comprávamos o carboreto à nossa conta, para os gasómetros. Vinha da fábrica de Canas de Senhorim e vendiam-no-lo aqui. Os gasómetros também se cá compravam.
Um belo dia toda a gente disse que não trabalhava enquanto a Companhia não pagasse o carboreto. Cada um foi para as suas terras. Andou por lá o engenheiro e mais um director com falinhas mansas:
- Então, não vamos trabalhar?
Nós que estávamos a jogar as cartas, lá nas tabernas, nem pio. Alguns foram levados pela Pide, no Porto. Vieram de lá mais mortos que vivos. Um era o Alfredo Araújo, de S. Jorge, chamavam-no por alcunha o Carriço. Outro era de Casegas, o António Alípio. O pessoal era rijo e quando eles foram presos disse:
- Enquanto não vierem os nossos companheiros nós não vamos trabalhar.
Isto parou tudo. Só se foi trabalhar quando deram ordens para a Companhia dar o carboreto. Os presos levaram lá porrada na Pide que foi o fim do mundo.
Também houve greve para aumentar a jorna de dezoito para vinte escudos. Até veio a Guarda de Castelo. Veio a da Covilhã. Veio a do Fundão. Daqui para cima, para a Panasqueira, estava tudo cheio de guardas. Cá pelas minhas contas, e se não estou em erro, isto aconteceu entre quarenta e sete e cinquenta e um.
Andámos nesta guerra alguns quatro dias, E também andaram pelas terras:
- Venham trabalhar! Nós temos lá gasómetros, nem é preciso trazerem os vossos!
Mas nós nem troco lhe dávamos:
- Joga: trunfo é ouros!
Foi lindo: ninguém entrou para a Mina. Fomos para debaixo da árvore, de olho aberto a ver se alguém entrava. Já se sabia que se uns entravam, entravam os outros. Se não ficavam todos, Ninguém entrou e fomo-nos embora, até aumentarem a jorna.
Então essa é que era boa: quebrava-se lá a greve por causa de dois ou três que não queriam, porque tinham medo?
Quando foi da greve dos seis dias, depois do 25 de Abril, também foram seis dias que ninguém entrou.
Qual foi a mais bonita destas greves todas? Em a gente as ganhando são bonitas todas. Ganhámo-las todas: não perdemos a primeira. As greves quando são bem feitas, a gente ganha sempre.
Tenho as marcas desta maldita Mina no corpo. Já cá cantam quarenta anos no «volfro», os últimos doze fora da Mina. E duas coisas eu quero dizer aos mais novos, aos que pagam e aos que trabalham. O pessoal que trabalha lá dentro devia ganhar sempre mais do que aquele que sempre trabalhou cá fora. E também os mineiros que trabalharam um certo tempo lá dentro deviam reformar-se mais cedo, que mais não fosse, aos cinquenta anos.”
Este o testemunho do nosso conterrâneo António Marcelino Covita e inserto no livro já referenciado.
Proximamente, farei a transcrição de “O Romance de António Castanheira”, escrito pelo Sr António Paulouro.