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EXCERTO DA OBRA

Estavam quase no final da refeição quando ouviram o som de uma concertina que se aproximava.
- Ora muito boa noite a vossas senhorias!
Quem assim falava era o Ti João da Mina um personagem que surgira na sala de jantar, junto ao balcão da cozinha. Todo ele era uma figura caricata. Baixinho, mas mexido, de cabelos quase todos brancos, sob um chapéu preto, um pequeno bigodinho à Charlot sob o nariz vermelhusco, uns olhos pequeninos e muito brilhantes e um sorriso de palhaço. Nas mãos tinha uma concertina que manejava com mestria, espalhando alegria.
- Boa noite, amigo, é servido? Quer beber um copito connosco? – perguntou Jorge.
- Não sou servido, mas um copito calha sempre bem.
O Ti Catarino estendeu o braço e retirou um copo de outra mesa que estava posta e onde não havia ninguém – aliás, ao jantar, os comensais eram quase sempre só eles – e estendeu-o para Jorge, que o encheu de vinho.
- Vá, é para afinar a garganta! – exclamou.
O homenzinho bebeu o vinho com visível satisfação, deu um estalo com a língua e, balançando o corpo, esticou o fole da concertina e começou a cantar:

Boa noite meus senhores
Boa noite meus senhores
Aqui me têm a cantar
Trabalhei naquelas minas
Onde me queriam matar.
Trabalhei naquelas minas
Onde me queriam matar.

Onde me queriam matar
Onde me fizeram sofrer
Se de lá não tivesse fugido
Trabalhava até morrer.
Se de lá não tivesse fugido
Trabalhava até morrer.

Atrás do cantador juntou-se uma grande assembleia a escutá-lo, meneando a cabeça de cima para baixo, como que a assentir no que ele dizia e acompanhando-o no refrão.

Trabalhava até morrer
A mina era o meu caixão
Se não me matasse o pó
Matava-me o meu patrão.
Se não me matasse o pó
Matava-me o meu patrão.

O homenzinho desfilava a cantilena, sempre meneando o corpo, e os outros iam entoando o refrão. Era um quadro digno de se ver: aquela gente de rostos, geralmente, fechados, ali agora com um sorriso, acompanhando a cantilena do homem. Até o Tó Zé se posicionara atrás de todos, onde sobressaía pela sua estatura.
Depois de mais algumas quadras alusivas ao trabalho da mina, rematou:

Agora que me vou embora
Despeço-me de vossas senhorias
E só vos peço desculpa
Destas pobres cantorias.
E só vos peço desculpa
Destas pobres cantorias.